quarta-feira, 9 de março de 2011

Este país não é para mim

Mesmo, mesmo a ponto de explodir, decidi, por altura destes dias de Carnaval, recriar a minha própria versão de “Comer, Orar e Amar” de Elizabeth Gilbert, sem o amar, com pouco comer e muito meditar. Ah, e tudo dentro do nosso Portugal, pois está claro.

E foi assim que parti quatro dias, para as Termas de Monte Real. Depois de exaustiva pesquisa, a relação qualidade/preço, a proximidade de Lisboa (a verdade é que não tinha muita vontade de conduzir), a beleza natural da envolvente paisagística, mesmo propícia a uns momentos de relaxamento e reencontro comigo mesma - fizeram com que rapidamente me decidisse por este sítio.

No primeiro dia, acordei tarde, depois de uma noite inteira a sonhar que devia ir viver para o Porto… Ou seja: não começou muito bem. Já desperta, fiquei sentada na cama, pensando se deveria “dar ouvidos” ao meu sonho da noite anterior… De facto, muito tempo perco eu em viagens, entre o Porto e Lisboa, mas… quanto mais pensava na ideia de ir viver para o Porto, mais me angustiava. Acabei por decidir que o cansaço me tinha mesmo dado cabo da cabeça e por isso tinha sonhado tal coisa.

Ultrapassado o pequeno trauma, levantei-me, vesti-me e fui tranquilamente tomar o meu pequeno-almoço.

Depois saí do Hotel e constatei que o dia estava muito bonito: nem muito sol, nem muito frio ou vento. O céu estava sem nuvens, ouviam-se passarinhos a chilrear. Senti-me feliz. Apeteceu-me embrenhar pelo pequeno bosque e ir fazendo alguns dos exercícios propostos pelo Circuito de Manutenção. Constatei que estou mais perra que perra; sem força nos braços e com pouca agilidade, motivo pelo qual não consegui completar mais de metade dos exercícios. Mas ía avançando e no final do Circuito, dei de caras com um lago de forma mais ou menos circular, em torno do qual se dispunham bancos de madeira, de quando em quando. Fiquei a olhar para aquela paisagem. Maravilhosa. Inspirei fundo e senti que ganhei saúde.

Olhei em frente e vi o edifício do SPA. E nisto pensei: “falta uma hora.” Voltei ao hotel, para buscar o meu fato de banho e a minha touca e alguns momentos depois voltei ao SPA, onde umas simpáticas senhoras (terapeutas), uma música relaxante, um circuito feito à meia-luz, com aromas de limão e eucalipto, cuidaram do meu corpo e do meu espírito.

Interessante foi ver como escassos momentos de relaxamento operam maravilhas; durante este dia, encontrei dentro de mim muitas respostas que procurava.

Quando terminei o SPA (apenas com pequena pausa para almoço), já estava escuro. Deviam ser umas sete horas da tarde.

Vim ao quarto, vesti umas calças mais próprias e desci novamente, para jantar. Sozinha, com um (bom) livro na mão e um sorriso na cara, entrei no restaurante e pedi para me sentar na mesma mesa, onde me tinha sentado ao almoço. Uma mesa pequena, que apenas dava para uma ou duas pessoas, ao canto, discreta, ao lado da janela, podendo-se avistar ao longe muitas luzinhas pequeninas, de Leiria.

A decoração do restaurante era de extremo bom gosto: tons neutros, como brancos e pretos, alternavam com dourados e prateados, e motivos modernos, alternavam com peças clássicas, como castiçais dourados de muitas velas ou grandes espelhos, trabalhados, em talha prateada.

Quando me sentei, a senhora que estava a servir, acendeu a vela que se encontrava na minha mesa, dizendo: “Vem sozinha; não significa que não tenha direito…” Muito obrigada, sorri.

O jantar foi uma autêntica experiência de prazer. Primeiro, a escolha, mediante análise da Carta. Foi difícil escolher! Finalmente, lá me decidi por “Salmão em crosta de laranja e amêndoas com legumes.” Estava óptimo. Comecei a comer muito antes de introduzir qualquer garfada na boca. Os olhos também comem e a verdade é que o prato tinha uma apresentação extraordinária. Debaixo das rodelas muito finas de laranja, lá se revelava o salmão, com uma crosta crocante e debaixo do salmão, lá se revelavam os legumes (pimentos vermelhos, pimentos amarelos, feijão verde, alho francês)… Uma delícia.

Estava eu mergulhada nesta experiência de puro prazer, quando chegam duas numerosas famílias. Imediatamente, as duas famílias, que chegavam juntas, são acomodadas numa mesa circular, mais ao centro do restaurante. Absorta, continuo na minha experiência de degustação, enquanto alterno olhares entre o meu prato, as luzes lá fora, que avisto pela janela, e a pequena vela acesa à minha frente. De fundo, ouve-se baixinho uma música, apenas instrumental, que me permite relaxar. A meia-luz também convidava à paz.

(Nesta altura já deixei o meu leitor totalmente mergulhado na minha experiència gourmet, que é exactamente o meu objectivo, para que tal leitor possa sentir o mesmo que eu senti quando se passou o que a seguir descrevo.)

Eis senão quando, a alta voz, ouço:

- Olhe por favor, sabe-me dizer como está o Braga?

Aquele comentário, surgido da grande mesa circular, proferido num tom claramente mais sonoro que o exigido pela envolvente, foi assim como… (Como explicar…) uma nota de guitarra eléctrica num concerto de música clássica. É, foi isso. Mas pronto, isto passou-se e eu voltei a centrar-me no meu jantar. Mas volto a ouvir a mesma pergunta:

- Olhe por favor, sabe-me dizer como está o Braga?

Não ouvi a resposta, penso eu que terá sido pelo facto do empregado ter respondido num tom de voz mais adequado às circunstâncias.

E prossegue:

- Agora é o senhor “inginheiro” a escolher. Senhor “inginheiro” o que vai querer? Aqui o senhor “inginheiro” vai querer bacalhau com broa.

E eu jantava.

- Desculpe lá, não me sabe dizer como é que está o Braga?

Finalmente ouço o empregado, que lhe responde num tom já audível para mim:

- Está no intervalo.

Neste momento, eu, que bebia água, quase me engasguei. Tive de me conter para não me rir mais. Neste ponto, começava já a alternar a minha experiência gourmet, com a minha experiência: “Forma engraçada de confirmar que este país não é para mim.”

E continuou:

- Ora então é isso mesmo: vem o bacalhau, não é senhor “inginheiro”?; pois. Vem o bacalhau e o 2-1 para o Braga! (Que comentário tão engraçado, não haja dúvida!)

Outra pérola:

- Eu ainda vou sair por “Mont Real”.

Depois, alguém lhe deve ter dito que realmente não, ele não estava no Canadá e sim ao pé de Leiria; isto deduzo eu pelo comentário que se seguiu:

- Ai não é “Mont Real”? Olhe lá, faz favor, isto aqui é “Mont Real” ou “”Monte Real”?

Giro, giro foi o comentário que ainda me foi possível ouvir antes de me por a andar, que passo a citar literalmente:

- Estamos dez pessoas sentadas à mesa e tu és o único que tens a merda do telemóvel em cima da mesa. Guarda a merda do telemóvel, se fazes favor.

Estou de acordo. Chato, chato era o telemóvel em cima da mesa.

1 comentário:

  1. É verdade...fiquei tão "mergulhada" na ementa que, a seguir, fui a correr ver o que é que o refeitório nos oferecia para o almoço. - Nada mau, bacalhau com broa!!! que acabou por ser uma decepção!!
    Fiquei com vontade de ir experimentar este lugar!!!
    Beijinhos e continue.

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