Já diz o povo: “De pequenino é que se torce o pepino” e é bem verdade. Há pessoas que têm um je ne sais quoi qualquer, que não adquiriram com os anos, que não trabalharam para o ter, que não desenvolveram; algo inato, que nasce com elas e que lhes pertence, a que, há falta de melhor designação, chamarei de talento.
Como irmã babada, mas também na qualidade de espectadora atenta, acredito ser este o caso do meu irmão “caçula”. O puto tinha dois anos e já andava por aí a azucrinar a cabeça aos meus pais, que tinham de almoçar ao som dos “ritmos” que ele ía produzindo, fosse com um talher no vidro de um copo ou de um prato ou fosse simplesmente a bater com as mãos na mesa.
Mais tarde, refinou um pouco mais a coisa e introduziu o compasso dos pés, mas nem por isso as mãos pararam quietinhas: bastava sentar-se dois segundos e lá estava ele, a marcar compassos com os polegares nos joelhos ou em cima da mesa.
Os meus pais e avós chegaram a pensar que ele seria hiperactivo, porque não conseguia parar dois segundos, quietinho, sem se mexer: abanava a cabeça, marcava compassos com as mãos e com os pés e abanava a perna ao ritmo que lhe passava pela cabeça. Se havia pratos, copos e panelas em cima da mesa era um festim, porque logo ele descobria, nos utensílios de cozinha, possibilidades de notas musicais distintas para compor uma melodia mais complexa.
Esta peculiaridade valeu-lhe bastantes repreensões por parte dos meus pais, avós e outros, que se sentiam incomodados pela persistência do rapaz em fazer “barulho”. No entanto, penso que todos concordavam que apesar de ser bastante cansativo, era notório no meu irmão um qualquer talento, pronto a ser revelado.
No ano passado, finalmente, o meu irmão conseguiu convencer os meus pais a financiarem-lhe aulas de bateria. E foi para ele um deleite! A princípio, quando ainda não tinha uma bateria em casa, andava por aí com as baquetas de carbono a fazer de conta que tocava a toda a hora. Mais tarde e 600 euros depois, pode ver o seu desejo de ter uma bateria em casa, realizado. E aí até eu, que sou um tronco para a música, pude constatar que o puto tem um “jeito do caraças” para a coisa. Ele ainda tentou, com bastante calma, dar-me algumas luzes de como aquilo se toca, mas eu sou mesmo uma grande naba e aquilo de um pé marcar um ritmo, o outro marcar um ritmo diferente, uma mão bater num prato e a outra bater noutro, com cadências diferentes, a mim não me entra! Lá está, falta-me o jeito e o talento para a coisa.
Bom, mas foi de tal forma, que o meu irmão foi no fim do ano proposto pelo professor para exame (tanto quanto pude apurar, um exame XPTO que lhe pode conferir uma bolsa de estudos em Londres) e já tem uma banda. Além disso, teve também um convite para tocar num bar, mas recusou. Disse-me ele (em tom de desabafo pessoal e secreto, que eu agora aqui publico, mas não faz mal porque ele e os amigos não frequentam o meu blog) que o guitarrista - cantor que o convidou não estava à altura de tocar com ele… Ora toma lá! Quem sabe, sabe e mais nada!