sábado, 8 de maio de 2010

De volta a casa

Passaram cinco anos.
Chego a casa. Sei que nao está ninguém. Os pais sairam, o irmao mais novo, que entretanto cresceu, foi a um concerto no Tivoli. O irmao do meio já nao vive aqui e a Wendy, a cadelinha que dava pulos e abanava o rabo cada vez que me via chegar, já morreu. Estaciono o carro junto ao portao e desligo-o. Suspiro. Deixo-me estar, assim, ao volante, por mais algum tempo. Abandono-me ao cansaço, descontraio os ombros e recosto-me ligeiramente no banco do carro. Deixo-me ficar assim por algum tempo. Decido voltar a enfiar a chave na igniçao e ligar o rádio. Nao me apetece especialmente ouvir música, mas apetece-me ligar o rádio. Passei um ano e meio sem rádio no carro (funcionava com duas cacetadas, mas bastava uma lomba para deixar de funcionar novamente), por isso poder acender o rádio e ouvir música, parece-me um luxo ao qual é dificil resistir. Mas nao me apetece realmente ouvir música nenhuma. Tenho música no coraçao e essa nao dá para sintonizar, nem na FM nem na AM. Volto a desligar o carro, tiro a chave da igniçao e saio. Passo o portao. Quando chego à porta, encontro um saco, pendurado no batente. Pao de Mafra. Foi o avô que por aqui passou, penso, com um sorriso. Desprendo o saco e levo-o. Entro em casa. Nao está ninguém. Pouso a mala e as chaves. Vou à cozinha e pego numa caneca. Encho-a de leite e ponho a aquecer no microondas. Parto duas fatias do pao e espalho manteiga.
De volta a casa. À minha casa. Depois de cinco anos. De onde saí ainda menina. E volto mulher.
Esta noite, talvez já nao acorde sobressaltada, com medo que alguém esteja a entrar em casa. Esta noite, já nao como sopa, quase fria, num prato solitário ao som do silêncio que nao desejei ouvir. Eles sairam todos agora, é verdade. E estou sózinha. Mas esta noite, eles voltam. E vamo-nos sentar todos juntos, à mesa, outra vez. E o pai vai olhar-me de soslaio, pensando que eu nao noto, de peito cheio de orgulho e pensar que afinal, ao contrário do que ele tantas vezes pensa, sempre fez alguma coisa de jeito. (Fez tantas! Mas nao há meio de se enxergar, o pai). A mae vai poder armar-se em tia, como tanto gosta, e dizer às amigas que a filha é uma executiva de sucesso. E o irmao, teenager inconsequente (como também cheguei um dia a ser apelidada), vai olhar para a irma e pensar que se calhar vale a pena estudar e dar o melhor de si, em tudo. Mesmo que isso, por vezes, custe sangue, suor e lágrimas. E eu; eu, bem… Esta noite, talvez durma feliz. E quando acordar a meio da noite, se acordar, talvez pense que estou a viver um sonho. Talvez pense que afinal nao passaram cinco anos; que afinal nunca estive em Lyon, nem em Madrid, nem em Sines, nem em Santiago do Cacém… Talvez pense que afinal nao sou a mulher que sou, que nao consegui o que consegui, que nao vivi o que vivi; que afinal era mesmo verdade que tinha de escolher entre a minha carreira e a minha vida pessoal, que nunca poderia ter as duas…
Quando acordar a meio da noite, se realmente acordar, talvez nao acredite que fui abençoada por Deus com tudo aquilo que pedi.

1 comentário:

  1. Como somos tao diferentes e ao mm tempo quase iguais... Ambas cheias de paixao pela vida, querendo q ela nos abrace de forma intensa e inesperada... (gostast da minha tentativa..LOL) Mas o caminho q percorremos é tao diferente... E isso por estranho q pareça tem nos juntado ainda mais.

    Mereces tdo aquilo q pediste.
    Beijinhos cheios de saudades

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