terça-feira, 18 de maio de 2010

Quando voltei a Madrid

Cheguei a Madrid bastante cansada. Tinha o meu carro no Parque de Estacionamento de Atocha e foi para lá que me dirigi sem hesitar. Abri a bagageira e coloquei a tralha toda lá dentro. Fechei a bagageira e voltei a trancar o carro. Fui então à procura de uma máquina onde pudesse pagar o Parque. Procurava a máquina, de ticket na mão, olhando ao redor, quando paro o olhar em alguém. Imobilizo-me. E depois decido caminhar até ao local:

- Perdón, necesita algo? – Um velhote, de casaco de fato amarrotado, calças velhas e sapatos coçados, revolvia o lixo de um caixote, distraidamente. Tinha-o visto abrir guardanapos usados, e sem encontrar nada, voltava a deitá-los no caixote e a revolver o lixo com as mãos.

Quando lhe faço a pergunta, o velhote percebe que há alguém a observá-lo e de um salto, vira-se de frente para mim e esconde as mãos com um guardanapo sujo atrás das costas, envergonhado, como uma criança que foi apanhada em flagrante a fazer asneiras. Responde-me:

- NA-DA, hija. – enquanto agita os ombros, mantendo as mãos atrás das costas. Quando me fala, fa-lo com um tom de voz que não denota nenhum tipo de insegurança e por isso seria levada a acreditar nele, se não tivesse visto o que vi. Sei que, de alguma forma, estou a mexer no seu orgulho próprio… Mas o homem tem fome. Que se lixe.

Abro a carteira e saco a primeira nota que tenho à mão. Vinte euros.

- Tomese, usted.

Estende a mão. Passo-lhe a nota. Não a agarra:

- No me des tanto. -, diz-me. (Não posso acreditar no que acabo de ouvir…)

- No, tomese usted. Para que coma. – Tento ser afável, embora saiba que normalmente tenho pouco jeito para o ser e que às vezes, pareço uma bota da tropa, quando a intenção é exactamente a contrária, mas enfim: tento dar o meu melhor.

Murmura “gracias”, vira costas e vai-se embora.

Enquanto caminho em direcção ao sítio onde posso pagar o Parque, tenho dúvidas se terei sido enganada pelo homem… Então peço a Deus um sinal de que fiz bem em ajudar o homem, se realmente assim tiver sido. O Parqueamento custa xx€85. Na carteira tenho três notas que perfazem o xx. No porta-moedas tenho um monte de moedas pequenas. Despejo o porta-moedas para a mão, sem fazer ideia de quanto posso ter e quando as vou contar – tudo moedinhas pretas – tenho exactamente 80 cêntimos, que entrego à pessoa que me está a cobrar. Faltam 5 cêntimos. Volto então a olhar para a mão para onde despejei a carteira, e vejo aí uma última moeda: 5 cêntimos.

3 comentários:

  1. Pois é, lá em Sines há pobres mas não daqueles que andam nos caixotes. Aqui são tantos, e desde que começou a crise pior. É a Silvia que costuma estar à porta do supermercado a quem costumo fazer compras, é o nigeriano cego de um olho que estaciona os carros à minha porta e que fala melhor inglês do que 95% dos espanhóis que conheço, é o manco que limpa os faróis dos carros no cruzamento de novos ministérios. E é um ciclo vicioso. Parece que uma vez ali, nunca mais de lá saem. Sorte a tua que pudeste dar uma nota de 20€, quando se vê disto todos os dias não dá. Beijinhos grandes.

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  2. O sinal não podia ter sido mais inequívoco, pois não? Ainda bem, temos de acreditar. Obrigada por esses 20 euros.

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  3. Há uns fins de semana o meu Pai contou-me uma história mtooo parecida. A explicação dada pelo sem abrigo, q para mim faz sentido, é que se ele for apanhado por 20 euros pelos outros sem abrigo, leva porrada até os entregar. Senão assaltam-no. O certo é que dar-lhes dinheiro assim "gordo" é o pior que podes fazer. Pra próxima vais ao bar mais próximo, compras comida com 20 euros e dás-lhe. Palavras de sem abrigo em Braga, e olha que mtos deles o são por "opção". Um abraço e boa vida por Madrid :)

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